Psicologia da mulher
As raízes da feminilidade
Cláudia marzo 1962
Quando se fala de feminilidade ou de masculinidade, no sentido psicológico, tem-se a impressão de saber-se exactamente o que se quer entender. Isto porque o pensamento evoca imediatamente a imagem madura e completa da “mulher” e do “homem” ou, no máximo, da mocinha e do rapaz. A distinção torna-se bem menos evidente se pensarmos numa criança de poucos meses ou de poucos dias. Devemos acrescentar, a este propósito, que os nossos conhecimentos psicológicos não acompanham passo a passo aqueles relativos è masculinidade e è feminilidade, no sentido biológico e anatómico. Nem os mais temerários psicólogos podem dizer com certeza se (e em que) difere o mundo mental de um menino de dois ou três meses, do de «urna menina da mesma idade.
Lembro-me de uma jovem mãe que, durante urna conversa, afirmou alegremente não poder distinguir, de olhos fechados, seus dois gémeos de sexo diferente, nascidos há três meses, a não ser pelo fato de que o menino. .. dava mais pontapés do que a irmãzinha!…
Alguém poderia concluir, através da observação brincalhona e empírica acima citada, que se poderia fazer urna distinção psicológica, no sentido de coincidir a feminilidade com a passividade. Mas o próprio Freud, que também afirmava o mesmo, atenuou bastante a tese, declarando explicitamente, num de seus últimos trabalhos: “E de todo insuficiente fazer coincidir o comportamento masculino com a actividade e o feminino com a passividade… Existem mulheres capazes de desenvolver grande actividade em diversos sectores, e homens que não conseguem fazê-lo senão com grande esforço e paciência. Poder-se-ia caracterizar a feminilidade, psicologicamente, como sendo urna predileção pelos objectivos passivos. Isto, naturalmente, não e o mesmo que faze-la coincidir com a passividade.
Nesse seu tratado, Freud comparou certos traços que parecem próprios da menina (major condescendência, menor obstinação, necessidade mais intensa de ternura e de amor) com um desenvolvimento intelectual da própria menina com relação ao menino; e se pergunta, sem poder responder afirmativamente, se suas impressões aproximativas podem ser confirmadas por constatações precisas. Pois bem, a confirmação chegou. Quando Freud escrevia éste sábio pensamento, ainda não havia sido efectuado o longo e paciente trabalho dos psicólogos americanos, chefiados pelo professor Gesell, sobre os primeiros cinco anos da vida. Basta conhecer tais trabalhos para saber que as hipóteses de Freud estavam bem fundamentadas. Eis alguns exemplos: com dezoito meses os meninos alinham 2 cubes, as meninas 4; com dois anos os meninos constroem urna torre de 4 cubes, as meninas urna de 8. Com dezoito meses, 71% das meninas e somente 53% dos meninos sabem tirar os cubes de um recipiente. Ao contar, as meninas de 5 anos alcançam um numero mais alto e erram menos. Durante os primeiros dois ou três anos de vida, o vocabulário da menina é major do que. o do menino. E, finalmente, o desenvolvimento do sentido estético, no sexo masculino, sempre secundo Gesell, está atrasado em relação ao feminino.
Torna-se evidente, portanto, também destas breves considerações, que, se examinarmos o primeiro ano de vida, nada è possível afirmar, no momento, com detalhes e com absoluta segurança, acerca da diferença entre psique feminina e masculina. Se estas diferenças existem – e não é possível que não existam, ainda que vagas e não precisamente descritíveis não se justifica reduzi-las è genérica oposição entre actividade e passividade. Certas manifestações infantis da feminilidade, objectivamente constatáveis, parecem revelar aquilo que Freud chama de certa “predileção por objectivos passivos”, mas não supõem, com efeito, que haja menor capacidade intelectual ou que a menina seja menos “viva” do que o menino, pois, até urna certa idade, dá-se justamente o contrário.
Varios dentre as modernos psicólogos, e com bom fundamento, consideram superada e errónea a ideia, em curse por muito tempo, segundo a qual a “posição” psicológica feminina seria alcançada por relações a circunstancias particulares decorrentes do desenvolvimento, enquanto que, no inicio da vida, a menina, psicologicamente, não diferiria em nada do menino. Muitas observações relativas ao comportamento, efectuadas em meninas de 2 ou 3 anos, e várias análises psicológicas levadas a efeito em meninas e mulheres, parecem demonstrar exactamente o oposto, isto é, pie a menina assume com frequência atitudes e posições pseudo-masculinas, motivadas por reacções a situações de desagrado e de desilusão, experimentadas pela sua intrínseca e originaria feminilidade. O caso mais comum é aquele da menina que, em certa fase de sua evolução, procura imitai, nos brinquedos e em muitos atos, um irmão ou um priminho, parecendo julgar que os meninos tenham vantagens e prerrogativas especiais que não poderia obter a não ser identificando-se com eles.
Este e, verdadeiramente, o produto e o resultado de certo tipo de sociedade, na qual, tradicionalmente, a masculinidade foi mais valorizada que a feminilidade. Mas isto não deve levar a um engano. Não considerando sua natureza biológica, pode-se racionalmente julgar que também do ponto de vista psicológico a menina seja, desde o inicio da sua vida, uma mulherzinha.
Nos próximos artigos encontraremos meio de acompanhar tipos de feminilidade psicológica – a nosso ver, originaria e essencial – nas suas principais mudanças e nos problemas de adaptação familiar e social que dela derivam.
Emilio Servadio